SÃO PAULO —
Maior operação anticorrupção das Américas, a Lava-Jato já afeta
diretamente pelo menos seis países da
América Latina e Caribe. Por conta das denúncias, o BNDES,
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, suspendeu
o desembolso de US$ 3,6 bilhões para 16 obras de infraestrutura na
Argentina, Venezuela, República Dominicana, Cuba, Honduras e Guatemala.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro participa das negociações
em torno da retomada dos desembolsos, que, no entanto, só ocorrerá
mediante assinatura de um termo de compliance (conformidade com regras)
entre as empreiteiras e países contratantes. O impacto da operação é
o tema de uma série de reportagens do Grupo de Diários América (GDA),
formado por 11 dos principais jornais da América Latina,
entre eles O GLOBO
As obras bloqueadas estavam sendo tocadas pelas cinco maiores
empreiteiras brasileiras, acusadas de comandar o esquema de
corrupção na Petrobras. Os projetos somam US$ 5,7 bilhões e
representam 58% do valor destinado pelo banco para financiar
a exportação de serviços de engenharia brasileiros na região entre 2003 e 2015.
SÃO PAULO —
Maior operação anticorrupção das Américas, a Lava-Jato já afeta
diretamente pelo menos seis países da
América Latina e Caribe. Por conta das denúncias, o BNDES,
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, suspendeu
o desembolso de US$ 3,6 bilhões para 16 obras de infraestrutura na
Argentina, Venezuela, República Dominicana, Cuba, Honduras e Guatemala.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro participa das negociações
em torno da retomada dos desembolsos, que, no entanto, só ocorrerá
mediante assinatura de um termo de compliance (conformidade com regras)
entre as empreiteiras e países contratantes. O impacto da operação é
o tema de uma série de reportagens do Grupo de Diários América (GDA),
formado por 11 dos principais jornais da América Latina,
entre eles O GLOBO
As obras bloqueadas estavam sendo tocadas pelas cinco maiores
empreiteiras brasileiras, acusadas de comandar o esquema de
corrupção na Petrobras. Os projetos somam US$ 5,7 bilhões e
representam 58% do valor destinado pelo banco para financiar
a exportação de serviços de engenharia brasileiros na região entre 2003 e 2015.
empreiteiras brasileiras, acusadas de comandar o esquema de
corrupção na Petrobras. Os projetos somam US$ 5,7 bilhões e
representam 58% do valor destinado pelo banco para financiar
a exportação de serviços de engenharia brasileiros na região entre 2003 e 2015.
GRUPO DE DIÁRIOS AMÉRICA
Lava-Jato já suspendeu 16 projetos em seis países
BNDES sustou repasses de US$ 3,6 bilhões a empreiteiras
Read more: http://oglobo.globo.com/brasil/lava-jato-ja-suspendeu-16-projetos-em-seis-paises-20617028#ixzz4Sd3GQVDGNDES reavalia financiamentos
Os países mais afetados são também os que mais receberam recursos no período. A maior beneficiária, a Venezuela, terá de renegociar cinco projetos, entre eles a expansão do metrô de Caracas, cujas obras receberam US$ 1,28 bilhão do banco de fomento, e o estaleiro Astialba, destinado a fabricar navios petroleiros para a PDVSA, estatal venezuelana de petróleo. A República Dominicana, segundo país da região em volume de recursos, tem seis projetos questionados pelo banco em obras viárias, projetos de irrigação e a milionária termelétrica de Punta Catalina, com custo previsto de US$ 656 milhões
COLABORAÇÃO PREMIADAAs obras estavam sendo tocadas por cinco empreiteiras brasileiras envolvidas na Operação Lava-Jato — Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e OAS. Quatro delas já tiveram seus dirigentes condenados pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba. A Lava-Jato já soma 82 condenados em primeira instância, dos quais 25 se transformaram em delatores do esquema de corrupção que, segundo Moro, é sistêmico no Brasil.
A decisão do BNDES de suspender os repasses foi tomada logo após a prisão do ex-ministro Antonio Palocci, acusado de gerenciar uma conta de propina da construtora Odebrecht com o PT, pela qual teriam passado R$ 128 milhões até 2013. Entre as vantagens oferecidas pelo governo petista à maior empreiteira brasileira estavam facilidades na liberação de recursos do BNDES para obras no exterior. O empresário Marcelo Odebrecht e 77 de seus executivos fecharam acordos de delação premiada com a força-tarefa de procuradores que atua na Lava-Jato. A expectativa é que esses acordos sejam homologados até o fim deste ano. O esquema premiou com propinas dezenas de políticos de partidos da base aliada petista, como PMDB e PP, a maioria ainda na condição de investigados
No termo de compliance discutido com empreiteiras e os países, as partes deverão assumir compromisso com a licitude do processo, ratificando a ausência de atos ilícitos no âmbito da operação, além de garantir a aplicação dos recursos. O documento prevê sanções em caso de falsidade, incompletude ou incorreção das declarações de conformidade, com a imposição de multa ao exportador.
Ao anunciar, dois meses atrás, a revisão de 25 contratos, o BNDES informou que os critérios serão agora mais rigorosos e alguns poderão ser até cancelados, dependendo do andamento da obra. Estão incluídos nesta lista nove contratos firmados com três países africanos — Angola, Gana e Moçambique
FINANCIAMENTOS SEM INADIMPLÊNCIA
A reavaliação dos financiamentos leva em conta o progresso da obra, o aporte de recursos dos demais financiadores e o impacto dos novos desembolsos no nível de exposição e risco de crédito do banco em cada um dos países. Por enquanto, o BNDES não vislumbra a necessidade de alteração de outros itens contratuais, como prazo e juros, que seguem padrões internacionais. Segundo o banco, nunca houve inadimplência nos financiamentos concedidos para a exportação de serviços de engenharia.
Os 13 anos do PT à frente do governo brasileiro foram encerrados em agosto deste ano, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os principais líderes do partido estão sendo investigados, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela política de aproximação com países da América Latina e da África, principalmente aqueles nos quais os seus governantes eram considerados aliados.
— Houve grandes distorções e desvio de prioridades nos últimos anos. O critério para apoio dos países incluiu razões ideológicas ou questões pouco transparentes. O BNDES está neste primeiro momento se ajustando, mas é importante que continue a investir no apoio às empresas brasileiras no exterior para que o Brasil não fique fora do mercado internacional, como ocorre com a maioria dos países — diz o consultor Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Londres e Washington e representante do país na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi)..
Para Barbosa, interesses políticos e de grupos econômicos que marcaram as decisões do BNDES tendem a dar lugar a critérios técnicos e mais transparentes.
— Tem que separar a ideologia das decisões de financiamento. O problema está na falta de transparência. Se o projeto for bom para o país e para o Brasil, tudo bem, deve ser financiado — opina.
A direção do BNDES, à época dos financiamentos, defendeu o papel do banco como financiador da atuação de empresas brasileiras no exterior, frisando que todos os países têm agências de estímulo à exportação de serviços.
Sete países pediram documentos à PGR
POR CLEIDE CARVALHO
Sete países de América Latina e Caribe já apresentaram pedidos à Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República do Brasil para receber documentos e informações colhidos pela Operação Lava-Jato: Argentina, Chile, Costa Rica, Guatemala, Panamá, Peru e Uruguai. No total, foram recebidos 28 pedidos de colaboração formulados por 18 países
Argentina e Peru são os mais avançados na coleta de dados. Com o fechamento da delação premiada do empresário Marcelo Odebrecht e de 77 executivos do Grupo Odebrecht, o volume de informações a serem compartilhadas vai aumentar. A empreiteira é responsável por nove das obras na mira do BNDES e angariou US$ 5,98 bilhões da instituição apenas para trabalhos na América Latina e Caribe entre 2009 e 2015 — o maior volume entre as empresas investigadas
As investigações na América Latina incluem obras do setor elétrico, cujas apurações ainda engatinham no Brasil. Na investigação argentina, o alvo inicial foi a própria Petrobras. Em delação premiada, Nestor Cerveró, ex-diretor de Assuntos Internacionais da estatal, revelou ter recebido propina pela venda da Transener (empresa de transmissão de energia) à argentina Electroingeniería. No Brasil, o negócio teria rendido vantagens ilícitas a um grupo de senadores investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), graças ao foro privilegiado previsto para autoridades. No país vizinho, as suspeitas recaem sobre ministros da ex-presidente Cristina Kirchner. Pagamentos feitos por uma offshore usada pelo Grupo Odebrecht teriam sido feitos a um secretário de Transportes, acusado de enriquecimento ilícito. A Argentina teve repasses do BNDES suspensos para a construção do sistema de abastecimento de água de Las Palmas, projeto da Odebrecht, e para a construção, pela empreiteira OAS, do segundo aqueduto da província Del Chaco
“CUSTO DE MERCADO”
Nas últimas décadas, o Brasil se mostrou um parceiro endinheirado e exerceu seu poder para atrair aliados políticos na América Latina, Caribe e África. Entre 2005 e 2010, os empréstimos do BNDES quase quadruplicaram em dólares. Em um único ano, 2010, o banco brasileiro chegou a emprestar quase US$ 100 bilhões, três vezes o valor investido pelo Banco Mundial (Bird).
Agora, o grande volume de recursos coloca em xeque a lisura dos contratos fechados para financiar obras tocadas por empreiteiras brasileiras fora do Brasil. A corrupção sistêmica revelada pela Lava-Jato foi descrita por criminosos colaboradores da Justiça brasileira como a “regra do jogo” dos negócios fechados na Petrobras e em outros órgãos do governo. A incorporação do suborno como “custo de mercado” no orçamento da Andrade Gutierrez, revelado pelo ex-presidente da holding Otávio Marques ao juiz Sérgio Moro, faz aumentar ainda mais as suspeitas sobre os contratos fechados no exterior.
Atualmente, o BNDES tem 47 contratos de financiamento para obras no exterior, no valor total de US$ 13,5 bilhões
Venezuela: Contratos podem chegar a US$ 16 bilhões
POR JOSÉ GREGORIO MEZA E MARU MORALES P. / EL NACIONAL
CARACAS — As empresas brasileiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, investigadas pela Operação Lava-Jato, tiveram 42 projetos, de mais de US$ 50 bilhões, contratados desde 2000 pelos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela. A Odebrecht lidera o ranking, com 32 contratos, e recebeu em 16 anos US$ 40,98 bilhões.
O maior volume de financiamentos do BNDES na América Latina está na Venezuela. Os pagamentos estão suspensos enquanto o banco investiga se houve irregularidades. A Assembleia Nacional, presidida por Freddy Guevara, da opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), relaciona seis possíveis casos de corrupção nas negociações do governo venezuelano com a Odebrecht. O patrimônio público supostamente afetado poderia chegar a US$ 16,640 bilhões por sobrepreços, comissões, subornos, planificação indevida e malversação de fundos.
As obras supostamente envolvidas em casos de corrupção são a linha de metrô Caracas-Guarenas-Guatire, projetada para 2012, que seria alvo de um desvio de US$ 4,904 bilhões; a segunda ponte sobre o Lago de Maracaibo, que deveria ter sido concluída em 2010, com desvios de US$ 3,6 bilhões; a linha 2 do metrô de Los Teques, prevista para ficar pronta em 2015, com um montante afetado de US$ 2,533 bilhões; a terceira ponte sobre o Rio Orinoco, prevista para 2012, com US$ 1,682 bilhão; a linha 5 do metrô de Caracas, que deveria ser concluída em 2012, com prejuízo de US$ 3,710 bilhões; e um contrato para venda de carne de boi congelada, que teria sofrido sobrepreço de até 60%, chegando a US$ 209 milhões.
A ONG Transparência Venezuela solicitou ao governo a publicação dos contratos com empresas brasileiras nos últimos 12 anos, disse sua presidente, Mercedes De Freitas.
Os ex-presidentes Lula e Hugo Chávez se reuniram ao menos 55 vezes entre 1998 e 2013, 22 vezes no Brasil, 14 na Venezuela e 19 em outros países, durante encontros de chefes de Estado. A primeira vez que conversaram foi em 16 de dezembro de 1998, na embaixada da Venezuela no Brasil, quatro anos antes de Lula ser eleito presidente pela primeira vez.
— A afinidade ideológica permitiu a aproximação, que beneficiou o Brasil, que entrou no mercado venezuelano em meio a um boom econômico. A Venezuela em nada se favoreceu — afirma o ex-embaixador Oscar Hernández.
A partir de 2004, já com Lula no poder, foram feitos 37 contratos entre os governos de Venezuela e Brasil, sendo 27 à Odebrecht.
El Salvador: A conexão Funes-João Santana
POR CRISTIAN MELÉNDEZ / LA PRENSA GRÁFICA
SAN SALVADOR — Campanhas à parte, Mauricio Funes, o Brasil e João Santana são um triângulo com muito mais em comum. O ex-presidente salvadorenho e o marqueteiro brasileiro estão sendo investigados em seus países por supostos crimes de corrupção. Os de Funes, nos cinco anos em que esteve na Presidência; os de Santana, por irregularidades em contratos milionários com estatais brasileiras.
Funes chamou João Santana de “amigo” no dia do primeiro triunfo da FMLN numa eleição presidencial, em 2009. Considerado discípulo do ex-presidente Lula (que o marqueteiro também levou à Presidência), Funes está asilado na Nicarágua após ser investigado em seu país.
Com a chegada de Funes à Presidência em 2009, Santana passou a ser assessor do governo de El Salvador. Entre 2010 e 2011, um total de US$ 2,8 milhões vindos da Presidência foi para a empresa do marqueteiro, por serviços de publicidade.
E o triângulo tem outro elemento: a Odebrecht, que chegou ao país na gestão Funes. Em 2013, foi dado à Odebrecht o término das obras da represa El Chaparral. Acusado na Operação Lava-Jato, Santana reconheceu que dinheiro da empreiteira foi usado em campanhas presidenciais do PT — partido de Lula e Vanda Pignato, brasileira que, mulher de Funes, foi primeira-dama de El Salvador.
Peru: Megaprojetos sob investigação
POR RODRIGO CRUZ / EL COMERCIO
LIMA — A procuradoria peruana investiga três megaprojetos realizados pelas construtoras brasileiras envolvidas na Operação Lava-Jato, que atuaram nos governos de Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016), com sérios indícios de corrupção. Também investiga o suposto transporte de dinheiro para subornos do Brasil para o Peru, entre 2012 e 2014, por parte da OAS.
O procurador Hamilton Castro investiga dois destes megaprojetos, sendo o mais emblemático o da estrada Interoceânica Sul (trecho IV), a cargo de Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, no qual se suspeita de propina de mais de US$ 5 bilhões.
O terceiro projeto é o do gasoduto do Sul, contratado em junho de 2014, no governo de Humala. A obra alcançou US$ 7,3 bilhões e foi outorgada a um consórcio integrado pela Odebrecht. A suspeita é que a construtora recebeu a obra por ter financiado a campanha de Humala em 2011.
Entre 2004 e 2014, as construtoras brasileiras obtiveram contratos e concessões superiores a US$ 17 bilhões.
— O Brasil era a estrela do continente, não era mal visto que empresas desse país viessem investir. Quando a economia vai bem, a corrupção passa ao largo — diz o cientista político Arturo Maldonado.
Porto Rico: Compra de combustível feriu lei
POR WILMA MALDONADO ARRIGOITÍA / EL NUEVO DIA
SAN JUAN — O Senado e o Departamento de Justiça de Porto Rico e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, através do escritório da procuradoria federal na ilha, investigam um contrato de US$ 1,6 bilhão entre a Autoridade de Energia Eléctrica (AEE), corporação do governo de Porto Rico, com a Petrobras America, de setembro 2014, para suprimento de combustível a suas geradoras de energia. Tal contrato iria contra uma lei que impede acordos com entidades condenadas dentro ou fora do país.
A relação comercial entre a AEE e a Petrobra América começou em dezembro de 2002, quando se firmou o primeiro contrato. Em 2006, a empresa brasileira voltou a suprir combustível a Porto Rico. Desta vez, o contrato foi feito pela Petrobras International Finance, subsidiária da Petrobras com sede nas Ilhas Caiman. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que seria posteriormente preso e delataria o esquema de desvios na estatal brasileira, assinou o acordo.
Estes dois contratos não passaram por licitações e seguiram um método excepcional entre países, que os regulamentos da AEE só permitem com autorização expressa do governador de Porto Rico.
O ex-presidente da junta de governo da AEE, Luis Avilés, disse em audiência no Senado que a compra de 2006 foi feita por método excepcional porque haveria uma situação de emergência, com pouco combustível estocado para operar as geradoras.
Os contratos entre Petrobras e AEE prosseguiram ao longo dos anos, e o último foi firmado em 30 de setembro de 2014, no valor de US$ 1,6 bilhão.
As conclusões do Senado estão previstas para este mês.
— Não temos a menor dúvida que existiu um esquema de fraude, favoritismo e manipulação dentro da Autoridade de Energia Elétrica junto aos fornecedores para desfalcar o erário — disse o presidente da comissão, senador Aníbal José Torres.
O projeto lulista para a América Latina
POR THIAGO HERDY / O GLOBO
SÃO PAULO — Ex-porta-voz do governo Lula, o professor e cientista político brasileiro André Singer cunhou a expressão “lulismo” para definir a marca dos oito anos do metalúrgico no poder: uma forma de fazer política que atraiu o apoio dos mais pobres ao seu partido, o PT, sem entrar em atrito com os mais ricos. Em seu governo (2003-2010) e depois, Lula pôs em prática versão latino-americana da mesma tese: abraçou bandeiras históricas da esquerda no continente — como a integração solidária entre os países — sem se descuidar dos interesses de poderosos grupos econômicos brasileiros, inclusive os mais corruptos.
Trocas de e-mails e mensagens de celular, comunicações diplomáticas e anotações descobertas pela Polícia Federal na Lava-Jato trazem detalhes da pressão das empresas sobre Lula — e como ele aceitou defender a agenda econômica dessas companhias, na mesma época em que recebia vantagens e benefícios pessoais delas. Os indícios de favorecimento a Lula atingiram o coração de um dos projetos centrais de seu grupo político.
Oficialmente em nome desse projeto, entre 2003 e 2015 Lula realizou 150 viagens pela América Latina (76% durante seu governo) segundo o instituto que leva seu nome. Maior empresa de infraestrutura do Brasil, a Odebrecht tinha um diretor só para lidar com questões sobre Lula: Alexandrino Alencar, com boa relação com o petista. A ação da Odebrecht em defesa de seus interesses, quando Lula ainda era presidente, envolvia ministros e assessores próximos.
Chamado de “seminarista” nos e-mails, pela ligação com a Igreja Católica, o então secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, recebia de Alexandrino informes da Odebrecht a cada visita internacional de Lula ou de chefe de Estado ao país. Na véspera da posse de Juan Manuel Santos na Colômbia, em 2010, mensagens trocadas entre o então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, Alexandrino e outros diretores trazem o assunto “versão final Lula na Colômbia posse JMS” e um documento com a descrição dos projetos da empresa naquele país.
Ao receber convite de Lula para almoço com um presidente africano em 2009, Marcelo escreveu: “Pode ser boa oportunidade, em função de nossa hidrelétrica. Seria importante eu enviar nota memória antes via Alexandrino com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós”.
Coincidência ou não, das 23 palestras de Lula contratadas na América Latina, 13 foram pagas por empresas investigadas pela Lava-Jato. A Odebrecht, no 1º lugar, tem 6 contratações. Em comunicados, negava que Lula fizesse lobby. Mas e-mails com detalhes dos bastidores de palestra de Lula na Venezuela em 2011 mostram que o discurso dele era só parte do serviço. Um dia antes de falar no hotel JW Marriott em Caracas sobre o “Desenvolvimento e os desafios latino-americanos”, Lula visitou obras do porto de Mariel em Cuba. “Espera-se a presença de Raul Castro”, disse executivo em mensagem a diretores, sugerindo a Marcelo levar presentes.
Comunicação diplomática do Itamaraty de maio de 2011 aponta o que envolvia visita de Lula custeada pela Odebrecht ao Panamá: visita a obras, almoço com convidados da construtora, jantar com o presidente do país e ministros na casa do diretor-superintendente da Odebrecht.
Mensagens telefônicas mostram que, às vésperas de palestra de Lula para a OAS no Uruguai, o então presidente da empresa, Léo Pinheiro, escreveu ao diretor internacional César Uzeda: “Uma palestra e ele vai ter uma conversa com o presidente”. Uzeda sugeriu encontro “com seleto grupo de empresários”: “Quanto aos nossos interesses no Uruguai, na pauta está o porto de águas profundas em La Paloma e um gasoduto para levar gás ao Brasil”.
Outra comunicação do Itamaraty, de agosto de 2011, demonstra que a agenda de Lula para a OAS em visita à Bolívia não se restringia a palestras: envolvia reunião privada com Evo Morales e jantar com empresários.
A Operação Lava-Jato descobriu que o ex-presidente recebeu mais do que o cachê de palestras, mas também benefícios das empresas para quem atuou no exterior. Usada pela Odebrecht para pagar propina, a DAG pagou R$ 435 mil gastos com frete de aeronave particular em périplo de Lula por Cuba, República Dominicana e Estados Unidos.
Questionado sobre a atuação do ex-presidente, o Instituto Lula reage com firmeza, classificando-a como “lícita, ética e patriótica”, a contribuir para “aumentar as exportações brasileiras”.
O ‘fazedor de presidentes’ da América Latina
POR TIAGO DANTAS / O GLOBO
SÃO PAULO — Nenhum marqueteiro político teve tanto sucesso na última década. Desde 2006, João Santana ganhou oito eleições presidenciais em cinco países. Além de prestígio e milhões de dólares, o trabalho do publicitário brasileiro lhe rendeu o apelido de “fazedor de presidentes” na imprensa latino-americana. Mas o estrategista não pôde celebrar sua última vitória. Quando um dos seus clientes, Danilo Medina, foi reeleito na República Dominicana com 61,8% dos votos em maio deste ano, Santana já estava preso havia quase três meses na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, pela Operação Lava-Jato. Em todos esses países, a prisão de Santana levantou suspeitas sobre sua atuação.
Santana é réu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no Brasil. Parte do suborno que seria pago ao PT era encaminhada, diz a Lava-Jato, ao publicitário e a sua mulher, Mônica Moura, responsáveis pelas campanhas de Lula em 2006, e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. O casal afirma que não sabia que o dinheiro era de corrupção. Agentes da Polícia Federal suspeitam que Santana também poderia receber dinheiro por campanhas no exterior
Na esteira da aprovação de Lula e Dilma, Santana se lançou para América Latina e África, com políticos de esquerda. Se até 2007 a experiência internacional da sua agência, a Polis, era de campanhas legislativas e municipais na Argentina, em 2009 Santana comandou a eleição de Mauricio Funes em El Salvador.
Em 2012, em Angola, Santana elegeu José Eduardo dos Santos por US$ 50 milhões; US$ 20 milhões via caixa 2, diz Mônica. Lá, houve marcas que funcionaram no Brasil. O plano de Santos para empréstimos populares, por exemplo, era o Meu Negócio, Minha Vida.
Na Venezuela, na reeleição de Hugo Chávez, Santana adaptou bordão de Lula — “Nunca antes na história deste país” — para Chávez, que dizia na TV: “Esto nunca se habia visto en este país”. Mônica disse à PF que o casal ganhou US$ 35 milhões pelo trabalho na Venezuela, “grande parte” via caixa dois.
Santana ainda ajudaria a eleger Danilo Medina na República Dominicana em 2012. E seria preso pela Lava-Jato enquanto atuava na campanha de reeleição, este ano. A oposição dominicana pediu para investigar os contratos da Odebrecht com o governo; numa licitação, ela cobrou quase o dobro do que um grupo sul-coreano e, mesmo assim, ganhou a obra.
‘Trata-se de um caso típico de crime global’
POR MARIANA TIMÓTEO / O GLOBO
SÃO PAULO — Presidente da Transparência Internacional, peruano José Ugaz acompanha desdobramentos da Lava-Jato nos países da América Latina.
Qual o impacto da Lava-Jato nas Américas do Sul e Central?
Tremendo. Primeiro, porque muita gente nos países suspeitava que as empresas brasileiras poderiam estar envolvidas em práticas corruptas e, no entanto, ninguém dizia nada. Nós detectamos essas empresas como realizadoras de obras de infraestrutura importantes em pelo menos sete países da região, e em locais como Panamá e Peru investigações significativas já estão em andamento após a deflagração da Lava-Jato no Brasil.
Uma delação da Odebrecht pode ajudar a esclarecer a corrupção nesses países?
Com certeza sim. Qualquer informação que altos dirigentes das empresas entregarem vai ter um impacto muito importante nas investigações locais realizadas pelos países. Como organização internacional, esse é um grande interesse nosso. Estamos tentando estabelecer um nível de comunicação entre todas as investigações, há a possibilidade de abrimos uma investigação internacional, sobre a qual falamos com Moro (o juiz Sérgio Moro) e Deltan (o procurador Deltan Dellagnol). Trata-se de um caso típico de crime global, que envolve um conjunto de juridições e que, à medida em que vai produzindo informação no Brasil, com esses bastidores privilegiados dos principais atores envolvidos no esquema, certamente terá tremendo impacto nos outros países.
Como se dá a cooperação entre os países?
Nós iniciamos um processo em cada um dos países envolvidos em que a Transparência Internacional tem atuação. Solicitamos informação sobre os contratos assinados com as empresas do Brasil. O nível de respostas foi bem diferente. Chile e Peru deram bastante informação. Em outros países, como Venezuela, ela foi zero. A ideia era que nós, como representantes da sociedade civil, avaliemos essa informação e reportemos sobre elas. Depois pensamos em aplicar um artigo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que permite realizar investigações conjuntas. As autoridades do Brasil começariam a ter reuniões e a estabelecer uma comunicação com as de outros países. A estratégia final seria ter um panorama grande e não coisas bilaterais que não permitem ver todo o espectro. Estamos ainda pensando nessa possibilidade, mencionamos isso ao Moro.
Há um limite para a Lava-Jato? A operação terá um fim?
Tem que ter um fim. Os riscos de uma coisa interminável é que o povo se esqueça ou perca o interesse no caso, deixando de apoiá-lo. Do outro lado, há agressões da classe política, dos envolvidos, das empresas . A população precisa sempre ser informada sobre do que se trata a corrupção.
Por que somos tão corruptos, e quem paga o preço por isso?
O nosso mapa de corrupção mostra que 2/3 da humanidade padecem de níveis de corrupção, mas a América Latina está sempre acima da média, numa situação bastante negativa. São muitos fatores. O financiamento da política é um deles, há motivos históricos: o padrão colonial que se impôs, que nunca prestigiou a meritocracia para cargos de poder, e sim quem os comprava. O clientelismo que se estabeleceu nas colônias se mantém até os dias de hoje. E também tem muito a ver a forma como se organizou a administração, não fomos criados para prestigiar carreiras públicas como acontece em outros países. E por isso a institucionalidade de nossos países é muito precária, a corrupção está na origem de quase todas as nossas nações, com poderes judiciais débeis, ineficientes, etc. Há os baixos níveis de educação, que não permitem à população distinguir o que é débil do que não é. Países sem tradição democrática, muitos sujeitos a golpes de Estado. Enfim, a corrupção é complexa e multicausal. É um imposto que quem paga são os mais pobres. Uma estratégia que nós, como organização, estamos tentando adotar a nível internacional é a do quanto a corrupção afeta os direitos humanos.
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